quinta-feira, 29 de novembro de 2012

WTF with Marc Maron: um psicoterapeuta improvável



No seu podcast WTF, Marc Maron entrevista diversos comediantes, alguns dos quais conhece há muitos anos e aborda com eles os mais variados assuntos. É capaz de nos provocar umas gargalhadas e ensinar-nos muito acerca do processo criativo dos comediantes e sobre as diversas formas de construir uma carreira no competitivo mundo da comédia americana.

Mas este podcast é muito mais do que isso. Aliás, este lado de WTF é secundário perante o que este podcast realmente é.

Mas para perceber o que quero dizer com isso talvez seja necessário conhecer um pouco Marc Maron. Maron não é o tipo de comediante que estejamos habituados a ver em Portugal, não se disfarça de matarroano, o seu registo é maioritariamente autobiográfico, com algum humor político pelo meio, e tem uma tonalidade tendencialmente negativa. A sua comédia vive dos seus problemas pessoais e se é hilariante nalguns momentos, noutros é como um soco no estômago. Marc Maron é, nas suas próprias palavras, narcisista, neurótico, alcoólico e toxicodependente em recuperação (sóbrio há 12 anos, diga-se), hipocondríaco, invejoso e arrogante. E isso reflecte-se na sua comédia, na raiva, no ressentimento, na revolta. Mas é hilariante na mesma!

O podcast surgiu em 2009 enquanto fazia o luto do seu segundo divórcio e da perda do seu emprego na rádio Air America, um momento complicado na vida de Marc Maron que, perante o desmoronamento da sua vida pessoal e profissional, perspectivava aos 46 anos um futuro incerto. Nesta fase de transição, o podcast bissemanal realizado a partir da sua garagem tornou-se uma intervenção sobre si próprio (esta expressão é dele). O podcast inclui quase sempre um monólogo semi-improvisado sobre o seu dia-a-dia em que nos é dado a conhecer um bocadinho do mundo de Marc (ao fim de 10 horas de podcasts começamos a conhecer Marc Maron melhor do que conhecemos alguns amigos) e as agora famosas entrevistas a outros comediantes. E estas entrevistas são qualquer coisa.

Não sei qual é a razão, se é a personalidade de Marc Maron que o leva a partilhar muito da sua vida, se é um elo especial tipo "tu é que me compreendes" à fuzileiro entre comediantes, se é o talento de entrevistador de Marc Maron mas o facto é que o ambiente criado nas entrevistas torna-se muito íntimo e os entrevistados acabam por revelar muito sobre eles próprios. E espantem-se, nem uma vez Marc Maron formula a pergunta "o que dizem os teus olhos?". Há momentos emocionantes neste podcast como o momento em que Robin Williams fala dos seus problemas com as drogas (quem diria? Oh captain, my captain…) ou o momento em que Louis CK se emociona ao falar do nascimento da filha. E o mais importante não são estas revelações bombásticas sobre a vida de celebridades. É que quase que passa ao lado que as revelações são bombásticas e que se tratam de celebridades, o mais importante é a envolvente da conversa e a caixa de ressonância que ela se pode tornar para os nossos próprios problemas. São pessoas como nós, que também têm problemas e que também tiveram que lutar para os superar. A comédia é uma forma de catarse e, na minha opinião, o melhor humor, como qualquer forma de arte, tem que vir de dentro, ter algum conflito e causar um impacto visceral para além da gargalhada (a gargalhada que soltamos ao ver um indivíduo a levar com uma bola de ténis nos testículos é completamente diferente da gargalhada que damos ao ver um episódio de "The Office" ou de "Louie"). Estas entrevistas desconstroem este processo e tornam-nos mais conhecedores quer do mundo da comédia, quer da vida em geral.

A maneira como Marc Maron lida com os seus defeitos, ao assumir a inveja do sucesso de amigos que chegaram mais longe do que ele, o facto de ser uma pessoa com uma personalidade difícil (em muitas entrevistas Marc Maron aproveita para pedir desculpa ao entrevistado por um ou outro momento em que este teve uma atitude desagradável em relação a ele), os seus traumas de infância são grandes estímulos para pensarmos nos nossos próprios defeitos e naqueles momentos em que nós também somos bestas. Eu sei que sou.

É por isso que o melhor elogio que posso fazer este podcast é que desde que me começou a acompanhar principalmente em viagens de carro, sinto que cresci como pessoa. Um dos grandes ensinamentos de Marc Maron é que, às vezes a melhor resposta para os problemas da vida é um grande WTF, quer um WTF enraivecido de indignação perante as grandes injustiças deste mundo ou, até as pequenas irritações do dia-a-dia, quer o WTF de resignação, um "que se foda, a vida continua, não vale a pena chatear-me demasiado". São atitudes contrastantes, que às vezes aparecem associadas e que são expressas na perfeição através da expressão What The Fuck.

Saquem o podcast aqui

Deixo abaixo um vídeo em que Marc reflecte sobre o potencial psicoterapêutico do seu podcast.

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sábado, 24 de novembro de 2012

Recomendações para comedy nerds: As estórias de Kevin Smith


"Tough shit: Life Advice From a Fat, Lazy Slob Who Did Good" é o novo livro do realizador Kevin Smith. É um misto de episódios autobiográficos, conselhos de auto-ajuda e piadas sobre o órgão sexual masculino. Acima de tudo é indispensável para geeks de comédia e altamente recomendado para cinéfilos em geral.

Kevin Smith conta a sua história de vida até agora passando por várias fases, infância e juventude como um geek de New Jersey, ascensão meteórica no mundo do cinema independente e recente anúncio de fim de carreira cinematográfica. Durante a narrativa somos confrontados com histórias do meio cinematográfico como a sua relação de amor-ódio com o mítico mogul do cinema Harvey Weinstein e a sua desilusão com o Bruce Willis (que o ex-fã Kevin Smith considera uma besta depois de ter trabalhado com ele no flop "Copped Out"); homenagens aos seus ídolos (destacando-se George Carlin, John Hughes, Quentin Tarantino e o jogador de hóquei no gelo Wayne Gretzky); conselhos de vida (o típico e falacioso "façam como eu, persigam os seus sonhos e lutem por eles, que vão conseguir", não que as intenções de Kevin Smith não sejam boas mas, convenhamos, já todos conhecemos estas "lições", a realidade é complexa demais para se considerar que o "desejar com muita força" e, até, o talento e o trabalho são as únicas variáveis que influenciam o sucesso/insucesso de alguém… são indispensáveis, mas há muitas outras); a bonita história de amor dele e da sua mulher Jennifer Schwalbach ("Skinny good-looking chicks rarely choose the corpulent fella unless you're watching a sitcom."); o tardio consumo de cannabis; as dificuldades relacionadas com excesso de peso (que, entre outras coisas, levaram a que fosse expulso de um avião recentemente e à inevitabilidade de ter que ficar sempre por baixo durante o sexo, situação cujo cenário descreve do seguinte modo: "Hell, had she realized all a fat man's gonna offer in bed is the Snoopy's Doghouse (he lies down, someone climbs on top of him, and he gets fucked), she likely would've run screaming from her apartment."), e muitas, muitas piadas sexuais.

Apesar de estar constantemente a depreciar o seu talento Kevin Smith é especial (e ele sabe-o, é só um mecanismo de defesa, não sejamos ingénuos). É um excelente comunicador que vive agora de inúmeros podcasts (nos quais estou viciado e que podem ser encontrados neste site) e de concorridas sessões de Q&A/stand up comedy que vem fazendo há alguns anos e onde reflecte durante horas sobre tudo um pouco (por exemplo, aqui fala de Tim Burton, felizmente a internet está repleta de vídeos destes momentos de contacto directo com os fãs de Kevin Smith). Acima de tudo, é um erro desvalorizar a obra cinematográfica que hoje permite a Kevin Smith viver de mandar umas bocas (e digo isto do modo mais elogioso possível, o homem eleva o mandar uns bitaites sobre tudo e todos a uma forma de arte sublime).

Se hoje é moda ser geek, muito se deve a Kevin Smith. Com "Clerks" (um filme auto-financiado e, mais tarde, adquirido pela Miramax, que se centra na rotina de dois empregados de uma loja de conveniência que passam a vida a ter diálogos "quentintarantinescos" sobre Star Wars e… pilas) Kevin Smith abriu as portas do cinema independente ao tipo de comédia que vemos hoje Judd Apatow a fazer com ganhos na ordem das centenas de milhões de dólares. Uma pessoa abre um site de humor instantâneo tipo 9gag e 90% das piadas parecem vindas de um filme de Kevin Smith! Com "Chasing Amy" mostra uma grande maturidade conseguindo misturar comédia com cenas mais sentimentais e essas merdas e com "Dogma" (o penúltimo dos filmes que realizou no "View Askewniverse") consegue fazer um filme brilhante sobre religião. Não sendo revolucionário como "A Vida de Brian", tem igualmente muito mérito, é basicamente ensaio íntimo de Kevin Smith sobre a sua própria fé. Teve alguns flops, como Jersey Girl, que nunca vi ou o mediano "Zack and Miri Make a Porno" em que tentou surfar a onda de blockbuster à Judd Apatow (que ironicamente ele próprio criou) mas nem o wonderboy de Apatow Seth Rogen o safou de um relativo fracasso de bilheteira. No meio disto tudo, mostrou ser um tipo com uns grandes tomates, que nunca teve medo de arriscar em prol daquilo em que acreditava, como por exemplo quando abdicou de uma carreira confortável a realizar blockbusters para a Warner Bros com o fim de realizar o seu projecto pessoal e último filme "Red State", um filme completamente diferente daquilo a que nos habituou e que distribuiu de um modo totalmente independente. Se tudo isto não bastasse, a dupla que formou com o seu amigo de muitos anos Jason Mewes, Jay e Silent Bob, tem o seu lugar bem seguro na história do cinema.

É de admirar a ascensão improvável de Kevin Smith, que passou de cinéfilo inveterado a trabalhar numa loja de conveniência a nome maior do cinema independente. Nunca esqueceu as origens e procura incluir sempre que possível os seus amigos de infância nos seus projectos, o que é uma prova tremenda de lealdade e gratidão (gratidão não necessariamente desinteressada... será que sem a ajuda do seu amigo Jason "Jay" Mewes a interpretar uma versão de si próprio o seu sucesso seria o mesmo? Há sobretudo um grande mérito de Smith em ter identificado o potencial humorístico deste stoner desbocado). Este livro é como ter uma conversa bem humorada e inspiradora com um tipo porreiro, com quem dá vontade de ir tomar um copo que, por acaso, conseguiu subir em Hollywood.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

No facebook


Pronto, é o facebook. Fica aqui o link da página do facebook na wikipedia. Está em inglês. Também existe um filme do David Fincher sobre este tema. 

Para quem nunca ouviu falar do facebook é uma rede social em que as pessoas criam perfis e interagem umas com as outras, seja através de chat ou através de partilhas de conteúdos. As pessoas podem gostar das coisas umas das outras e de coisas em geral (como marcas, bandas, filmes, meios de comunicação social e serial killers).  

Criem então um perfil no facebook e façam like na minha página. Se não gostarem daquilo podem sempre apagar o perfil.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Preço Certo e a complexidade da vida

Sabes aquela imagem clássica do anjinho e do diabinho que aparecem nos momentos mais difíceis das pessoas para as ajudar a escolher o melhor caminho a seguir? Em que o anjinho sugere um caminho abençoado pelo bem e em que o diabinho sugere um caminho perverso e a pessoa fica ali indecisa a pesar os prós e os contras e a decidir qual das duas opções é mais vantajosa.

Não acho esta metáfora credível como representação dos diferentes processos de decisão que temos que enfrentar nas nossas vidas. É muito redutora. Representa uma escolha entre o preto e o branco num Mundo cheio de cinzentos. É a imagem do maniqueísmo que nos leva a colocar rótulos em tudo, sem conhecer as diversas perspectivas e diferentes pontos de vista. Esta dicotomia anjinho/diabinho é a razão pela qual é impossível ter uma conversa racional neste Mundo!

O que eu gostava mesmo era que andássemos sempre acompanhados pelo público do Preço Certo. Sempre que tivéssemos que tomar uma decisão difícil como "o que vamos comer logo à noite?", "devo convidar a rapariga que gosto para sair embora ela seja casada com o meu irmão?", "devemos matar a nossa mulher e o respectivo amante que acabámos de apanhar em flagrante e, se sim, como o vamos fazer?", as diversas pessoas da plateia gritariam a sua opinião, permitindo-nos tomar a decisão correcta. No meio daquela cacofonia está, algures, a verdade. A vida é, no fundo, uma montra final.

Imaginemos a seguinte situação:

A tua mulher está gravemente doente. Para se salvar precisa urgentemente de determinado medicamento. Só que há um problema: tu és pobre e não tens dinheiro para o comprar. A única solução é assaltar a farmácia. O que é que fazes? Assaltas a farmácia visto que é essa a única maneira de salvares a tua amada? Ou não enveredas por essa opção criminosa, colocando assim a vida da tua mulher em perigo? 

O que é que o anjinho e o diabinho diriam disto? Ficariam com um nó na cabeça, não? Qual das duas decisões execráveis agradaria mais ao diabinho? Matar a tua mulher ou levar-te a cometer um crime? Mas se esta questão fosse colocada à plateia do Preço Certo terias toda uma série de respostas que te levariam a pensar nas implicações morais das diferentes opções e agir da maneira mais fundamentada e correcta possível.

E perante este dilema seríamos confrontados com vários tipos de respostas:

"Não assaltes a farmácia porque corres o risco de ir preso"

"Assalta a farmácia! És demasiado incompetente para ficares a tomar conta dos teus filhos sozinho!"

"A vida humana é um valor universal que não deve ser posto em risco de maneira nenhuma. Assalta a farmácia! É o melhor que podes fazer!"

"Diz à tua mulher que vais assaltar a farmácia, simula a tua morte e foge para as Bahamas. Assim, ela pode comprar os medicamentos com o dinheiro do seguro de vida e tu ganhas uma vida muito melhor."

"És feio e cheiras a Tulicreme fora do prazo!"

"Não assaltes a farmácia. Aceitar que há um motivo para fazer algo do género é abalar os alicerces da nossa sociedade e pôr em perigo tudo aquilo em que acreditamos: a propriedade privada"

"O último gajo que falou é um fascista! Não lhe ligues! Assalta a farmácia e mata o farmacêutico. Já que vais cometer um crime ao menos ficas de barriga cheia!"

"Vai mas é trabalhar, malandro!"

"Veste-te de Chewbacca, invade a Assembleia da Republica e ameaça que, se não te derem os medicamentos, rebentas com aquilo tudo!"

"Ó meu senhor, mas porquê vestido de Chewbacca?"

"Então não se vê? Por uma questão de credibilidade..."

E aqui aparecia o Fernando Mendes a dizer que já tinha passado muito tempo e que tínhamos que fazer a nossa opção final. E faríamos! Só que bastante mais informados... E é isto... A sabedoria da plateia do Preço Certo é tudo o que precisamos para fazer o que está correcto.

(Reedição de texto antigo que tive que apaguei mas que faço questão de que continue aqui)