sexta-feira, 6 de maio de 2011

A conversa mais irrelevante de sempre


Aqui há uns tempos estava a passear, descontraidamente, numa rua deserta. E ouço uma voz atrás de mim.

- Olha! Desculpa lá...

Olhei para trás, um tipo completamente aleatório chamava alguém. Como não havia mais pessoas à minha volta, era muito provável que essa pessoa quisesse mesmo falar comigo.

Eu não tenho nada contra pessoas até porque a maior parte dos seres com quem interajo são pessoas. E dessas interacções, por vezes, acontecem coisas boas. Se não existissem essas interacções, perderíamos tudo aquilo por que vale a pena viver neste mundo... Outras vezes acontecem merdas que gostaríamos que não acontecessem. Quem já foi abordado por testemunhas de Jeová sabe do que estou a falar. E ser abordado por alguém desconhecido na rua não costuma ser um bom prenúncio. Tudo pode acontecer. Um assalto, divulgação de novas religiões, inquérito, solicitação de horas, assuntos relacionados com droga, encontrar o amor da nossa vida. Todas as hipóteses são válidas, mas umas são mais prováveis que outras. Principalmente as hipóteses dentro do campo que vai do muito negativo ao neutro.

Parei e o homem veio ter comigo. Não deu para fugir, nem para ignorar... O embate ia mesmo acontecer. Restava esperar que não me ocupasse muito tempo para eu o poder esquecer e seguir com a minha vida que, pode não ser perfeita, mas tinha até aquele momento um grande aspecto positivo, ele não fazia parte dela. Só que ele, naquele momento, sem eu lhe pedir absolutamente nada, aquela pessoa decidiu que isso ia acabar. Ele ia entrar na minha vida.

Sobre a sua aparência, lembro-me apenas que tinha uma cabeça com olhos, nariz e boca, pelo menos um braço, duas pernas e tudo o resto que seria de esperar que uma pessoa tivesse. Não tinha nada que o destacasse como cabeça de atum, cornos ou uma semelhança incrível com uma celebridade (como por exemplo o actor brasileiro Paulo Betti). O que é pena, porque assim poderia sempre tirar algo desta interacção: uma história.

O que não é muito, mas no mundo em que vivo uma boa história para partilhar pode tornar-me o herói da noite no meu grupo de amigos.

- Sabem com quem falei hoje? Com um sósia do actor brasileiro Paulo Betti!
- Espectáculo! Mais uma rodada em tua homenagem. Tens sempre as histórias mais incríveis!

Ocuparia pelo menos um capítulo da minha autobiografia. Mas, infelizmente, a pessoa em questão era um gajo médio e ninguém vai contar uma história sobre um gajo médio.

- Uma vez falei com um tipo absolutamente normal.

Isto não é história.

A não ser que...

...esse tipo absolutamente normal se tenha dado ao trabalho de me abordar, em pleno dia, numa rua deserta, para me dizer uma das coisas mais estúpidas que uma pessoa alguma vez disse a outra (pelo menos desde que há registo)...

- Essa t-shirt... – disse-me ele. Ah! Eu tinha uma t-shirt da banda punk Ramones - ...é dos Ramones.
- Sim... – disse eu.
- Uma vez ouvi-os e eles não são grande coisa, pois não?

A sério? Não gostas de Ramones? E decides ter essa conversa com uma pessoa sobre a qual a única coisa que sabes é que gosta o suficiente de Ramones para possuir e usar uma t-shirt dessa banda? Se precisavas mesmo de manifestar a tua opinião sobre uma banda que só ouviste uma vez podias ter escolhido entre os milhares de pessoas com quem te cruzas que estão a usar outro tipo de t-shirts (há vários tipos de t-shirts: do Benfica, pólos da Lacoste, Hello Kitty, etc.). Podias até ter-me abordado num dia em que não estivesse a usar essa t-shirt. E aí teríamos uma conversa constrangedora sobre os Ramones. Uma conversa do tipo "não percebo porque me vieste dizer isso, deves ter problemas, vou fazer um comentário, sair de fininho e esperar nunca vir a ter um filho como tu". Mas não podias aguentar, não era? Há quanto tempo é que não conseguias dormir por causa disso? Querias um debate?

“Se há duas coisas que eu tenho a certeza nesta vida é que os Ramones não são nada de especial e que alguém tem mesmo que saber que é essa a opinião que tenho deles... Depois disto já posso morrer em paz..."

O que é que esperavas que eu te dissesse?

“Tens razão. Não prestam. Eu tenho a mania de usar t-shirts de bandas que não gosto porque acho que isso é a melhor maneira de mostrar ao Mundo o quanto não gosto delas. Digo-te uma coisa: se também comprares uma t-shirt de Ramones, podemos fundar um clube dedicado ao tema "Não gostar de Ramones". Olha, até podemos formar um casal, visto que temos tanto em comum. Queres casar comigo? Esperei toda a vida para te conhecer. Como é que te chamas? Não interessa! Vamos fazer amor!”

Qual foi o sinal que eu te dei que te levou a tomar a decisão de ter essa conversa comigo? Viste-me a existir, a respirar e a andar e, nesse momento, pensaste que eu tinha que ouvir umas verdades.

Como é que é o teu dia típico? Das 8 às 10 levas o teu carro a uma concentração de motards e dizes-lhes que andar de carro é bom, mais seguro, amigo do ambiente e confortável e que as motas são para pessoas irresponsáveis que têm complexos com o tamanho do seu pénis. Das 10 à hora de almoço estás à porta da Igreja perguntar às pessoas que saem da missa se acreditam em Deus e a ficar surpreendido quando elas te dizem que sim. Passas a tarde a dizer a toxicodependentes que a droga é muito sobrevalorizada. E à noite vais ao Estádio da Luz mostrar a tua incredulidade aos adeptos de futebol por eles não partilharem a tua opinião de que o desporto que elas gostam consiste apenas em 22 homens a correr atrás de uma bola. Se te perguntarem o que é que fazes na vida, o que é que respondes? Que a tua profissão é ter o máximo de conversas que não levam a lado nenhum?

Havia maneira mais explícita de mostrar que tenho uma opinião favorável sobre os Ramones do que usar uma t-shirt com a palavra Ramones? Mesmo assim precisavas de confirmar? Se visses um tipo com um cartaz a apelar à morte dos bielorrussos ias perguntar-lhe o que é que ele achava sobre a Bielorrússia? Se consegues interpretar sinais explícitos dessa maneira imagino o que é que fazes com sinais subtis. Deves fazer muito sucesso com as mulheres. Quando elas dizem que não gostam de ti, geralmente não gostam mesmo. A dificuldade em interpretar esses sinais subtis (sim, porque não há nada mais subtil do que “não”. Imagino que mesmo mulheres com t-shirts com a tua cara seguida das palavras "este gajo é merda" achas que tens hipóteses) pode tornar-te um violador. E depois, o que vais dizer no tribunal?

- Quando ela disse “não”, eu pensei que fosse “sim”. O Meritíssimo sabe como é que é, não sabe?
- Não... E condeno-o a pena máxima!
- Isso quer dizer que estou livre?

Um conselho que talvez venha a salvar a vida a alguém. Quando uma pessoa chora de dor é porque lhe dói alguma coisa. Nesse momento, talvez seja mais sensato parares.

Já não tenho mais nada a dizer sobre ti. Mas o Benfica perdeu ontem e precisava de descarregar em alguém. Não sei porquê, lembrei-me de ti quando tive esta conversa com uma pessoa:

- Então? Está tudo bem?
- Não...
- Porquê?
- O Benfica perdeu...
- OK! Mas e contigo, está tudo bem?

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