domingo, 22 de junho de 2008

Trabalhadores do Mundo, buzinai!


De todos os protestos com que o nosso primeiro-ministro tem sido presenteado o buzinão é o mais ridículo. Não é tão estúpido como apedrejar camiões mas é o mais ridículo.

Supostamente, quando protestamos pretendemos assinalar uma situação que nos é prejudicial com o objectivo de a mudar. Com o nosso protesto devemos mostrar o quanto isso nos afecta e fazer algo, de certo modo, proporcional: desde a imolação pelo fogo e a greve de fome até à manif, existe um denominador comum que é o auto-sacrifício, ninguém se imola pelo fogo ou anda aos berros, sujeito a condições climatéricas adversas e ao contacto com aquela malta irritante que vai às manifs, porque gosta. Fazem-no para mostrar o seu descontentamento face a determinada situação e para se poderem fazer ouvir.

Qual é a mensagem que o buzinão passa?

“Estou tão revoltado com a situação x que, de dentro do meu carro topo de gama, com ar condicionado enquanto ouço o novo CD da Mariza, vou buzinar e esperar que outros tipos tão preguiçosos e tão privilegiados como eu com a posse de um carro me acompanhem nesta sinfonia”. Qual é o objectivo disto? Furar os tímpanos ao Sócrates até este satisfazer as nossas exigências? Chatear um bocadinho? Acho que nem isto conseguem visto que o efeito final de um buzinão não é muito maior do que aquele provocado por alguém que se atrasou um bocadinho a passar um vermelho e é incomparável com o que se passa durante as horas de ponta. Qual é o objectivo de protestar da mesma maneira com que se festejam as vitórias de Portugal no Euro? Agora que Portugal foi eliminado, o único efeito de um buzinão vai ser fazer-nos pensar que fomos subitamente transportados para uma realidade paralela em que demos 7-0 à Alemanha…

Acho que está na natureza dos portugueses gostarem de buzinar, somos um povo buzinador, hábito esse que deve ter começado no tempo dos Descobrimentos, em que, depois de feitos como o dobrar do Cabo da Boa Esperança e a descoberta do caminho marítimo para a Índia e à falta de outros meios de comunicação, fazíamos o máximo de chinfrineira que conseguíssemos para dar a Boa Nova aos nossos compatriotas. O hábito manteve-se e hoje fartamo-nos de buzinar quer seja para protestar, quer seja para festejar, quer seja para insultar, quer seja para elogiar (qual é a mulher que durante um passeio nunca recebeu, como aprovação pelos seus atributos físicos, uma buzinadela de camião?).

É por isso que não me parece que o primeiro-ministro leve a sério as reivindicações daqueles que buzinam.

É a mesma coisa que, numa troca de argumentos, dar um peido com o intuito de complementar a nossa inépcia para a retórica e esperar ganhar a discussão. Quando muito ganhamos por falta de comparência, mas nunca é uma vitória a sério. Um amigo meu que é advogado usou esta táctica uma vez e a única coisa que conseguiu foi que evacuassem o tribunal. Obviamente que desistiu da sua carreira de advogado para se dedicar à política. Mas nem aí teve muito sucesso visto que consegiu trocar a flatulência por um tipo de argumentação ainda mais absurdo. Coitado do meu amigo Pedro Santana Lopes!

Quando Marx apelou à união dos trabalhadores jamais pensou que esta fosse sob a forma de um buzinão. Jamais pensou que os trabalhadores se juntassem nos seus poluidores, confortáveis e dispendiosos veículos para azucrinar a cabeça a quem os explora… Até porque se fossem mesmo explorados não teriam um carro. É que isto de buzinar não é nada democrático visto que deixa de fora todos aqueles que não têm hipóteses de ter um veículo calando, por exemplo, todos aqueles que vivem com o ordenado mínimou ou todos os que andam de transportes públicos, por opção ou por necessidade. Os comunistas chamar-lhe-iam um protesto burguês. Hoje em dia, em vez de uma ditadura do proletariado temos uma ditadura dos proprietários de veículos.

Que Deus me perdoe o que vou dizer (eu logo pago-lhe um copo… Além disso ele está-me a dever uma desde a derrota de Portugal…): O uso do buzinão vem legitimar o terrorismo como forma de protesto, quer porque é uma maneira menos irritante de fazer valer as nossas opiniões,quer porque é uma forma mais do que justa para lidar com os buzinadores.

4 comentários:

reb disse...

concordo contigo que o buzinão é uma manifestão de protesto tipicamente burguesa. Claro que o marx não poderia ter previso a "ditadura do buzinão" pq no tempo dele ainda não havia carros. Talvez ele se pudesse ter lembrado do buzinão dos comboios...mas não tinha o mesmo efeito. Se um comboio incomoda muita gente, 20 carros incomodam muito mais.
A alternativa dos peidos parece-me muito mais revolucinária, no entanto, sobressairiam sempre os mais favorecidos, já que quem passa fome, não deve ter grandes atributos desses. Em matéria de ruidos, defendo o guincho como o mais democrático. Qualquer ser humano tem essa capacidade!

idadedapedra disse...

Contra os canhões, buzinar, buzinar...

Iris Restolho disse...

O que dizer, qd algu+em tem razão... total e absoluta razão?



Apoiado


Iris Barroso
http://30diaspara.blogspot.com

Woody disse...

Reb

Essa ideia dos guinchos é muito boa! Se conseguíssemos pôr 1 milhão de portugueses a guinchar em S. Bento o Sócrates era capaz de repensar algumas coisas, é que era capaz de ser um bocado irritante... Simbolizava uma espécie de desespero face à situação actual... É quase poético! Se eu fosse sindicalista comunicava um guinchão para amanhã!

idadedapedra

Acho que substituir esse verso do hino actual pelo que sugeres era capaz de o tornar mais actual... Marchar contra os canhões? Que canhões? Será inteligente marchar contra canhões? Eu não sei muito de canhões, mas parece-me um bocado perigoso... e estúpido...

Iris

Para quem gosta de protestar, de reivindicar, de lutar pelos seus direitos e de fazer algo pela sociedade um buzinão até é algo de insultuoso... É um caminho demasiado fácil e cómodo, que descredibiliza a causa em si, mas quem sou eu para falar?