sábado, 17 de agosto de 2013

Ser um lavajão: A Arte De Comer Em Restaurantes Com Comida à Discrição

Comer num restaurante com comida à discrição é sempre uma batalha entre nós e o restaurante. Só um de nós vai ganhar e a intensidade da vitória ou derrota é medida pela diferença entre aquilo que pagamos e os custos do restaurante connosco. Quanto maior o lucro do restaurante, maior a nossa derrota, quanto maior o prejuízo, maior a nossa vitória. No fundo, trata-se de garantir que os gajos não se ficam a rir de nós.

Tendo em conta que muitos destes restaurantes ainda são negócios viáveis, eles estão-nos a ganhar esta guerra. Atenção que o nosso objectivo não é levá-los à falência, existirão sempre pessoas de fraco carácter a garantir as suas margens de lucro, o que queremos é ganhar o respeito deles de maneira a que, no dia em que lá voltamos, conseguirmos entrever na expressão dos empregados aquilo que eles pensam de nós: "Lá vem este animal outra vez". E isto vindo de quem já viu de tudo é o maior dos orgulhos e o desafio de uma vida. Deixo por isso algumas técnicas para aproveitar ao máximo a vossa experiência nestes estabelecimentos e garantir o respeito no Mundo dos farta brutos.


Técnica 1: Evitar intervalos, comer o mais rapidamente possível.

Quando estamos a ficar cheios o estômago envia sinais ao cérebro para o informar que é escusado continuar a emborcar, porque já está satisfeito. E quando chegamos a este ponto é mesmo difícil continuarmos a emborcar. Mas estar satisfeito não é ganhar a guerra (uma pessoa pode ficar satisfeita com uma saladinha)! O nosso objectivo deve ser comer o nosso próprio peso em comida. E se queremos chegar a este ponto temos que derrotar o nosso sistema nervoso. Temos de enganar o cérebro e comer o mais rapidamente possível, para quando lhe chegar a informação do nosso estômago este já estar próximo do rebentamento. Assim já podemos desapertar o cinto com o sentimento do dever cumprido.

Nada de intervalos de 10 minutos entre cada prato, não estamos lá para passar tempo. Nada de saborear, não estamos lá para desfrutar de boa comida. O nosso objectivo é claro e não nos podemos desviar nem um milímetro. Se a padeira de Aljubarrota tivesse parado para apreciar cada uma das pazadas que mandou aos espanhóis a esta hora estava a escrever isto em castelhano.


Técnica 2: Gestão dos líquidos.

As bebidas são um bem essencial, pois são o lubrificante que nos permite empurrar o máximo de comida para dentro de nós. Podemos fazer tudo bem e cumprir todas as regras para a vitória, mas uma falha de hidratação pode ser a morte do artista. Tentar fazer passar tanta comida por uma traqueia seca é como querer andar de Ferrari no deserto. Não funciona.

E os restaurante percebem isto e usam a nossa necessidade de líquidos contra nós: inflacionam o preço das bebidas (estou convencido que é aí que vão buscar o lucro) e enchem a comida de sal (uma vez num restaurante brasileiro comi 300 g de sal com um bocado de picanha).

Como contornar este obstáculo?

Pedir só uma bebida: Se pedirmos uma segunda bebida, perdemos a batalha. A casa fica com lucro garantido e nada do que comamos a seguir compensará este acréscimo nos nossos custos com aquela refeição.

Gerir a bebida: Beber apenas pequenos goles em pontos chave da refeição e nada de bebidas naturais! Com a secura que vamos sentir, é mais fácil manter o controlo se pedirmos bebidas frescas.

Recorrer à água da torneira da casa de banho: A maior parte dos restaurantes ainda têm casa de banho e não cobram nada pela água utilizada. É uma fonte de hidratação teoricamente infinita e que muitas vezes é ignorada. Recomendo no entanto que esta técnica seja utilizada apenas em último recurso. A imagem de alguém a beber água directamente da torneira da casa de banho de um restaurante é deprimente. Além disso, pode ser considerado jogo sujo, o que tira algum brilho à nossa vitória. Mas uma guerra nunca é limpa e nem sempre nos orgulhamos de tudo o que fazemos em função do objectivo maior, que é a vitória, sempre. Para quem tem pruridos morais, pode sempre encarar o recurso à água da torneira da casa de banho como uma resposta justa ao excesso de sal que eles colocam na comida. Se o inimigo usa uma bomba atómica, nós usamos uma bomba atómica.



Técnica 3: Companhia

A arte de comer à discrição em restaurantes é um jogo para lobos solitários. Mas acontece muitas vezes irmos a restaurantes acompanhados. E se formos acompanhados o restaurante vai olhar para nós como uma equipa, mesmo que se peça a conta em separado. Ou seja, se nós nos esforçarmos e conseguirmos dar prejuízo à casa mas a nossa companhia comer menos que um pisco, o restaurante vai fazer um balanço da média daquilo que ganhou na nossa mesa, o que pode levar a que estejamos injustamente associados a um resultado medíocre. Numa "equipa" a média é que conta, não a performance individual. Ou seja, se vamos acompanhados, devemos ir acompanhados por alguém que seja tão ou mais glutão do que nós.

(Julgo que é desnecessário apontar para um facto evidente: não levem mulheres a estes restaurantes! Não só elas, regra geral, comem pouco (os empregados destes restaurantes esfregam as mãos quando vêm uma mulher a entrar) como se têm algum interesse romântico pode não ser boa ideia mostrar-lhes o nível de badalhoquice que vocês provocam quando vos disponibilizam comida à discrição. Talvez num ponto mais avançado da relação (e bastante depois de utilizarem a casa-de-banho com a porta aberta). Levem-nas a restaurantes franceses ou assim. Se vão comer a sério, deixem as mulheres em casa).


Técnica 4: Hidratos de carbono

Nestes sítios tentam sempre encher-nos de hidratos de carbono. É uma forma barata de nos deixarem enfartados. Por muita fome que tenham, tentem comer o menos possível de arroz, batatas fritas ou feijão. Guardem-se para a chicha. E guardem-se também para o fim. Em restaurantes brasileiros eles tentam começar por nos encher com iguarias menores tipo salsichas e coxas de frango para não termos fome quando chega o El Dorado que é a maminha e a picanha. Não se deixem apoquentar perante os mind games dos empregados quando vocês rejeitam uma salsicha. 

"Não quer mais? Já está cheio, é?"

Quem ri por último é quem ri melhor e não imaginam a sensação fantástica de contemplar todo o gozo a desaparecer daquelas caras quando vos vêem a comer picanha. É essa a beleza deste jogo! A humilhação do adversário.

Técnica 5: Jejum

Esta é demasiado óbvia mas não podia deixá-la de fora deste guia. Enfardar comida é um desporto que não precisa de aquecimento. Tentem não comer nada nas 12 horas que antecedem a vossa ida a um restaurante destes, só assim se vão conseguir transformar num buraco negro capaz de sugar toda a comida que está num raio de 3 metros. E assim, garanto-vos, podem ganhar a guerra.


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