sábado, 7 de fevereiro de 2009

Quando a privacidade nos invade




No outro dia tive que viajar de comboio, coisa que já não fazia há algum tempo. Apercebi-me que, com excepção de algumas idas ao shopping, já há muito tempo que não me aproximava do "povo" desta maneira.

"Aristocrata!"

Não, burocrata...

Não há melhor retrato da sociedade do que aquele que fazemos numa viagem de comboio e, acabamos por dar por nós, quais voyeurs involuntários, envolvidos em situações que não esperávamos. Ao passar por duas raparigas consegui apanhar o seguinte fragmento da sua conversa:

- Ia dizer-lhe que era dele? Para ele dizer que eu tinha feito de propósito?

Senti-me enfiado, contra a minha vontade, numa cena de telenovela. Eu não procuro saber assim tanto sobre uma pessoa que não conheço e, posso estar muito enganado, mas a rapariga estava ou achava que estava grávida... Contudo, podia estar a falar de pastelaria ou de cozinha gourmet... Espero que sim... Mas ter apanhado este fragmento fora do contexto fez-me pensar no pior... Ou no melhor, depende...

Felizmente passei a viagem a ouvir música e não tive a oportunidade de invadir a privacidade de ninguém, ou melhor, de ser invadido pela privacidade de alguém. Apesar disso, era notório que a privacidade de muita gente andava pelo ar a pedir que eu a invadisse. No intervalo entre duas músicas consegui ouvir qualquer coisa a respeito do furúnculo de uma senhora de idade que estava sentada no banco atrás do meu... Tive a sorte de os acordes dos Radiohead terem entrado a tempo de me salvar do bombardeamento de privacidade que se adivinhava. Se não fossem eles, nessa noite teria sonhado com a visita da rapariga da conversa anterior que, com um sorriso nos lábios, me daria a novidade do nascimento de um belo e saudável furúnculo da seguinte maneira:

- Este é o Joaquim, o teu filho... Parabéns!

Por sorte não aconteceu...

Mas nem os Radiohead me salvaram da privacidade que me invadiu, desta feita, no Metro.

Metro cheio. Eu de pé encostado à parede. Ao meu lado, um jovem e apaixonado casal...

Não tenho nada contra a paixão, muito pelo contrário. Emociono-me, como ninguém, com demonstrações puras de afecto. Choro sempre que vejo uma avioneta com uma faixa a dizer "Amo-te Marlene!" ou quando leio uma mensagem no rodapé da Praça da Alegria a dizer "Jorge Samuel, és o amor da minha vida" ou quando ligam para os discos pedidos para dedicar uma música dos Só Pra Contrariar à sua alma gémea ou quando um indivíduo se põe subitamente de pé na cadeira do restaurante a gritar, em plenos pulmões: "Eu amo esta mulher! Ouçam todos: Eu amo esta mulher que está aqui sentada chamada Lucinda Micaela". Sou um romântico. Apesar disso, não gosto assim tanto de demonstrações públicas de afecto quando sinto que, se virar ligeiramente a cabeça para a direita, estou a tornar-me um activo participante nas mesmas.

Fiz grande parte da viagem com aquele "chuac, chuac" nos ouvidos, sem poder mudar de lugar e a invadir a privacidade da pessoa que estava na direcção do único ângulo de visão que me era permitido, visto que qualquer outra posição em que colocasse a cabeça levaria à minha perticipação num ménage a trois com aqueles pessoas. E eu não queria isso apesar da insistência do jovem casal em incluir-me na sua relação.

Não gosto de invadir a privacidade de ninguém e detesto quando sou invadido pela privacidade de pessoas que não conheço. Como aquelas pessoas que se levantam a meio de reuniões e se sentem na obrigação de dar uma explicação dizendo, no regresso:

- Desculpem lá, mas tenho andado cá com uma diarreia que nem vos digo...

Pois, mas disseste... Não precisávamos de saber isso. Ninguém perguntou. Mas, de qualquer maneira, as melhoras! Bebe muita Coca-cola e evita os fritos!

Ou aqueles D. Juans que fazem da mesa da sua esplanada um púlpito para anunciar a todos aqueles que têm o azar de estar num raio de 50 metros, as suas novas conquistas. Aí não estamos a falar de invasão nenhuma visto que o mais provável é nada daquilo ter acontecido. Mas a questão é que se estivesse interessado em romances de cordel tinha ficado em casa a ler os livros do Nicholas Sparks ou do Harlequin e Bianca. Que é o que faço a maior parte das vezes.

Caros anónimos, não quero saber nada das vossas necessidades fisiológicas nem, tão pouco, da vossa (fictícia) vida sexual. São coisas que dispenso ou dispensaria, se vocês me deixassem... É pedir muito?

Devo acrescentar que, apesar deste desabafo, gosto muito das conversas nos transportes públicos. Quando as pessoas, em vez de ensimesmadas nos seus problemas e nos seus MP3 falam umas com as outras e criam aquele clima em que um passageiro diz uma coisa, outro diz outra e de repente somos todos grandes amigos que, por acaso, partilharam o 78 nesse dia. Faz-me acreditar numa sociedade mais aberta e comunitária como contraponto de uma sociedade alienada e egocêntrica. E aí nem me importo que partilhem alguma coisa da sua vida, porque, neses casos, estou a abrir um canal de comunicação que permite isso. Já tive algumas conversas interessantes em transportes públicos.

Não gosto é quando a privacidade de outras pessoas me atinge como um paralelo na cabeça.

6 comentários:

Tari disse...

São mesmo comuns estas situações que retrataste mas pior do que fragmentos de conversas ou até grandes pormenores de conversas que se possam ouvir, são mesmo, essas figuras desses casaizinhos que se esquecem, propositadamente, que afinal não existem só eles os dois nos sítios públicos.

Não tens que pedir desculpa de me propor desafios e fico antes agradecida por ter sido inserida destes jogos da comunidade bloguenta. Mas já que somos da mesma opinião que os desafios ficavam descontextualizados no meu blog, resolvi apenas fazer os dois primeiros passos aqui:

O livro mais perto de mim é o que estou a ler, está na mesinha de cabeceira e chama-se "Malone está a morrer" de Samuel Beckett.

E a quinta frase da página 161 é a seguinte: "Macmann pigmeu debaixo dos grandes pinheiros negros gesticulantes olha ao longe o mar convulso."

Beijinhos**

Anónimo disse...

Olha Woody, és um misantropo, tá? Toda a gente se queixa da falta de humanidade de que se reveste a sociedade actual, de repente surgem estes actos espontâneos de partilha, como se de um kibutz social se tratasse, e tu és assim? Hmm? Não podias ter feito a vontade ao jovem casal e juntar-te ao seu PDA? Eu às vezes não entendo estes jovens... Só desrespeito pelo furúnculo das pessoas idosas. Um furúnculo dói, sabes? Se a senhora tinha necessidade de extravasar, era porque aquilo já estava num ponto de não retorno, de ir ao centro de saúde todos os dias fazer o curativo e mudar o penso. Com certeza estava a antibióticos que lhe davam sonolência, já pensaste nisso?! Insensível... Hás-de ter muitos amigos!

:D

Woody disse...

Tari

Obrigado pela resposta ao desafio! A frase retirada do teu livro é completamente imperceptível fora do contexto... Mas nota-se que está bem escrito...

lothlorien

Que lição de vida acabaste de me dar… É um facto que não tenho amigos, se tivesse andava a fazer coisas divertidas com eles e não a actualizar um blog. A Humanidade só nos retribui se fizermos alguma coisa por ela e eu não tenho feito mais do que desprezá-la. A maior prova desse desprezo foi o meu egoísmo ao sentir-me incomodado com esse jovem casal e não me ter juntado a eles ou fazer aquilo que todo o ser humano deve fazer quando vê tais demonstrações de amor, dar-lhes os parabéns, um grande abraço e a minha benção… Tenho a certeza que era o que Jesus Cristo faria, assim como tu :p

Ao ouvir falar do furúnculo da velha, em vez de continuar indiferente a ouvir a minha reles musiquinha devia ter-me levantado e dado um beijo no dito cujo. Tenho a certeza que, ao fazê-lo, lhe aqueceria o coração de uma maneira que só um beijo de um jovem no nosso furúnculo pode fazer… Obrigado pelo que disseste! A partir de agora vou ser uma pessoa diferente :p

Obrigado pela resposta ao desafio e por não me teres mandado à fava! “Everyday witchcraft”? É um livro sempre bom para ter à mão, não vá surgir a necessidade de lançar um mau olhado a alguém :p

É incrível como a frase que surgiu é relativa ao início da vida… Um livro tão grande e só na página 161 é que diz onde iniciou a vida… Ao menos a Bíblia vai mais directa ao assunto. O que é que o Stephen Hawking andou a fazer até à página 161? A engonhar?

Anónimo disse...

Ainda bem que contribuí para o teu desenvolvimento pessoal :D

O Stephen Hawking é um bocado de engonhar, é. Põe-se a falar de teorias que não interessam e só depois é que menciona a formação do Universo! lol
E o "Everyday witchcraft" é para as bruxas brancas, não há lá feitiços para deitar mau-olhado lol

Lu.a disse...

LOL!! Bom, confesso que o post que eu tinha em mente antes de saber que tinha um desafio à minha espera, era algo similar este...! Este fim de semana acabei por ir a Lisboa de comboio em vez do meu meio de transporte habitual... :P... e também apanhei um casalinho mesmo à minha frente que brindou a minha visão com 3 horas de longos e "repenicados" beijos com língua e sem ela. Estive mesmo para lhes gritar "GET A FUCKIN' ROOM!", mas "prontos", achei melhor estar calada! :P

S* disse...

Primeiro, porque raio não consigo comentar o texto acima, hum? Não tem essa opção, e eu queria dizer qualquer coisinha. :P

Também tenho de viajar frequentemente de comboio/camioneta e não gosto da falta de privacidade. Nem dormir descansada posso. Tenho medo de me babar. :D